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Channel: Comentários sobre: Família: papai, mamãe, titia?
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Por: Stephan Sperling

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Li o texto, o reli por duas vezes e, prima ante omnia gostaria de parabenizar Carolina pela crítica e pela reflexão, derivada não de um “mundo de idéias”, mas das suas próprias observações cotidianas, mas, igualmente, observar alguns pontos de discordância pessoal.

Carolina problematizou a delicada situação superestrutural (a crise cultural e religiosa) em que vivemos ante as reivindicações feministas e homossexuais.

Antonio Gramsci registrou em seus “Cadernos do Cárcere” um pensamento muito similar e que traduz, de mesma forma, sua preocupação com a obsessão “naturalista” (certos padrões comportamentais são contra a natureza humana) de diversos setores da sociedade: “percebe-se que quase sempre “natural” significa justo e normal” segundo nossa consciência histórica atual; mas a maioria não tem consciência desta atualidade determinada historicamente e considera seu modo de pensar eterno e imutável.”

Quando as minorias reivindicam socorro legal para emanciparem-se das situações opressivas em que se encontram, sem sombra de dúvidas deparar-se-ão, mesmo com as conquistas jurídicas, com a resistência superestrutural da sociedade em que estão inseridas.

Assim o foi com as guerras étnicas que a história nos narra, ocorridas nos Estados Unidos e na África. Assim o será com casais homossexuais ao tentarem maior inserção social pautados unicamente na mudança de leis.

Desta análise se seguem, com o que concordo plenamente com Carolina, questionamentos justos: a sociedade esgotou o debate da constituição familiar homoafetiva? As implicações sócio-culturais de casais gays, pais e mães gays e filhos de gays foram racionalizadas? E talvez estes questionamentos tenham feito com que muitos, impulsivamente, acreditem a autora está se opondo as reivindicações sociais dos gays e feministas.

Carolina apenas revela um dos dramas mais importantes de qualquer revolução: a supressão da superestrutura vigente e o risco do colapso de uma sociedade.

Contudo, se compartilhamos a análise dialética, Carolina, particularmente percebo em seu texto – e isto não é uma afirmação categórica, é uma afirmação interrogativa, para que possamos manter o debate e receber novos esclarecimentos seus – um certo zelo pelas instituições que a superestrutura vigente criou, para zelar-lhe os interesses, bem como um alarme demasiado intenso com as implicações de uma possível não-adaptação social às mudanças que ocorrerem, o que poderia colocar anos de luta feminista e homossexual a perder.

Minha preocupação é menor, ou mesmo insignificante, pois, particularmente, acredito na supressão destas instituições concomitante à supressão desta superestrutura. Você possui uma visão mais Marxista, eu, uma mais Gramscista.

Os movimentos sociais gays e feministas devem, como certa vez posicionou-se Leonardo Boff, promover uma oposição contundente à forma como o debate e a causa vêm sendo conduzidos e criarem seu espaço, mesmo que isto signifique desconstruir certas instituições. O colapso social e a falha do movimento ocorrem quando, como assinalou o mestre Italiano, tentamos adaptar novos padrões a compreensões e práxis anacrônicas e tacanhas, mantendo determinados seguimentos no controle das influencias culturais e religiosas.

Assim, creio eu, por exemplo, devem as mulheres reunirem-se e celebrar seus ritos católicos, protagonizar celebrações comunitárias, defender em ambientes religiosos a livre opção pelo abortamento, afirmarem-se sacerdotisas, enquanto que casais homossexuais devem expor suas experiências na adoção, envolverem-se em grupos de casais e noivos, procurar proximidade com sociedades de cuidado de menores – você viu a publicação da Sociedade Norte-americana de Pediatria? – para que criem real oposição às instituições que têm mantido as mulheres e os gays no abismo em que se encontram.

Finalmente, não sei se devemos antepor as mudanças superestruturais às alterações legais, repito como supra-afirmei, por uma compreensão mais Gramscista da dialética histórica. Creio que necessitamos de leis que anulem a perseguição conservadora e reacionária para depois anularmos o conservadorismo em si.


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